O Natal é tempo de encontros. Encontros entre familiares, e encontros entre amigos. Encontros de partilha, para "dar e receber". Esta "partilha" ultrapassa a materialidade normalmente associada a esta época festiva. É, na verdade, uma experiência: presenta-mo-nos, uns aos outros, não só com objectos materiais, mas também com desejos calorosos de "boas festas", e projectamos já um "feliz ano novo". Com aqueles que não encontramos há algum tempo, partilhamos "o que temos feito"...
A nostalgia própria da época natalícia poderá fazer acreditar que a partilha é algo inerente à vivência humana, uma característica inata de qualquer pessoa. Talvez por isso, observar uma criança que não quer partilhar, um brinquedo, ou alguém, com outra criança, possa causar estranheza. E no entanto, a história do Natal passa-se em torno de um menino que é o centro de tudo...
A idealização da infância poderá, ainda, acalentar a ilusão de que a amabilidade, a generosidade, a empatia, são características inatas. Podemos, efectivamente, reservar algum espaço para ideia de uma predisposição de base, mas será inegável reconhecer a importância das influências externas ao longo do crescimento e desenvolvimento, sobretudo quando nos referimos a atitudes empáticas.
Num aparte, recordo-me, há tempos, de ouvir o Professor Júlio Machado Vaz no seu programa de rádio, a referir-se aos próprios netos, com assinalável sentido de humor, como os "pequenos psicopatas". Como o próprio explicaria adiante, as crianças pequenas têm muitas vez atitudes próprias de um registo associado à psicopatia, ou seja, sem consideração pelos sentimentos dos outros, o que pode ser resumido pela frase "o que é meu, é meu, e o que é teu, também é meu".
Poderá até ser estranho que o prazer em partilhar seja uma emoção com potencial para florescer numa criança. Ainda que o bebé ofereça "presentes" a quem cuida da sua higiene, este encontra-se particularmente centrado em si próprio, na satisfação das suas necessidades mais básicas. Neste sentido, o bebé "recebe" mais do que "dá", pois o nível de consciência em que se encontra coloca-o no "centro do universo". A consciência da existência do outro, como ser diferenciado do próprio, surge de forma gradual: primeiro é reconhecida a figura materna como ser diferenciado, depois a figura paterna, e por aí em diante. Este processo não ocorre por simples impulso, ou de forma inata. Na verdade, trata-se de um processo de autonomia, e de individuação. Em certa medida, é a aprendizagem de que o mundo (a mãe, o pai, os avós, as outras crianças) não gira em torno da criança. Ou seja, para que se desenvolva uma consciência do outro, é requisito essencial a aprendizagem de que os próprios desejos não podem ser sempre satisfeitos. Uma aprendizagem que pode ser dolorosa, sendo que, será tão mais dolorosa para a criança, quanto esta também o seja para os pais.
A criança que não partilha precisa de se sentir capaz de crescer, de não ter receio desse desafio. E precisa da ajuda dos pais para esse crescimento.
Todavia, esta é a época do pai natal e do menino Jesus. E que criança (e adulto) não quer receber prendas, e ser o centro do mundo, por breves instantes?
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