segunda-feira, 10 de abril de 2017



Recentemente, escrevi aqui um texto sobre a adolescência, no qual referia que esta é uma fase da vida na qual serão expectáveis alguns comportamentos de risco. Tendo em conta que os discursos, deste momento em particular, sobre os "jovens portugueses" estão carregados de agressividade (em regra disfarçada de moralidade), gostaria antes de mais clarificar, que ser expectável que surjam comportamentos de risco, não significa que estes sejam aceitáveis. 

Bem entendido, não são aceitáveis as transgressões de determinados limites que, com um pouco de bom senso (e sem necessidade de recorrermos a argumentos jurídicos), a maioria de nós compreende serem necessários para a convivência social. Fora destes limites encontram-se, naturalmente, a destruição da propriedade alheia, e toda e qualquer acção que coloque em risco a integridade física de outros. Não é aceitável atirar colchões pela janela, assim como não é aceitável destruir a parede do quarto do hotel no qual se está a pernoitar. Que estes limites elementares para a convivência social, sejam transmitidos e aplicados, de forma clara e atempada, a estes e a quaisquer jovens, parece-me fazer parte da responsabilidade de qualquer adulto. 

Assim, visto vivermos em sociedade, é apenas expectável que, em relação aos incidentes em Espanha que envolveram os 1000 jovens portugueses, sejam apuradas as devidas responsabilidades (dificilmente terão sido todos a realizar os referidos actos), e que se apliquem as merecidas consequências. 

No entanto, nos últimos dias têm-se multiplicado os discursos, mais ou menos inflamados, a propósito "desta geração", dos "jovens de hoje", culminando muitas vezes com o lugar-comum: "no meu tempo não era assim". Este discurso caricatural revela muito pouco conhecimento sobre o que é ser adolescente, e revela ainda menos capacidades para desempenhar um papel educativo e justo, junto destes jovens.

No trabalho com adolescentes, quando é possível desenvolver uma relação honesta e de respeito mútuo - ou seja, com limites e regras relacionais que devem ser uma imposição do adulto - observa-se muitas vezes um elevado sentido de justiça, algo que passam a esperar do adulto, sobretudo quando é o próprio adolescente a realizar um ato de transgressão. Este é, de resto, um dos fundamentos para desenvolver a tão propalada capacidade de resiliência.

Enquanto psicólogo, creio ser importante questionarmos como podemos hoje desenvolver esta relação honesta e de respeito mútuo com os adolescentes, um vínculo dentro do qual possamos transmitir e aplicar os limites que necessitam para a aventura social. Na era das redes sociais em permanência, das carreiras profissionais e sociais instáveis, dos ambientes em constante mutação, e em que os interesses profissionais e empresariais são colocados acima dos interesses da família, os vínculos tornaram-se superficiais, e a família enquanto estrutura transmissora de cultura e de valores perdeu a sua força. Quem é que está disponível para assumir esse vínculo com um adolescente?

Falhamos enquanto sociedade, quando normalizamos em absoluto a transgressão, pois passamos uma mensagem confusa sobre o propósito desta nossa vida em comunidade. Mas creio que falhamos redondamente enquanto adultos, quando não abordamos com a devida justiça e compreensão, os jovens que apenas esperam do adulto, um exemplo daquilo que eles poderão um dia vir a ser.

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