sábado, 5 de setembro de 2015


Há imagens que nos assaltam, queimam-nos a memória, e chegam a doer de tão chocantes que são. A imagem do corpo do menino sírio de 3 anos, inerte, numa praia na Turquia, é uma imagem atroz, indigna. Não pela morte em si, pois infelizmente as crianças também podem morrer de doenças incuráveis, ou de outras condições mais prosaicas. Mas não é o caso.


Creio que a morte não é um conceito que qualquer um esteja disposto a aceitar facilmente. Até aos 6 anos de idade, uma criança poderá pensar que a morte é um processo reversível, pelo que dificilmente compreenderá a noção de mortalidade. Entre os 7 e os 12 anos, já deverá perceber que a morte é de facto irreversível, mas terá dificuldade em compreender que também está sujeita a tal acontecimento. Mesmo depois, e ao longo da vida adulta, apesar de sermos repetidamente confrontados com a morte, esta está quotidianamente ausente dos nossos pensamentos, pois caso contrário sofreríamos constantemente, com a evidência da nossa própria fragilidade.


Por vezes, depara-mo-nos na nossa profissão, com crianças que vivem com uma ansiedade intensa, e que absorvem todo o bombardear de imagens e acontecimentos angustiantes a que estão sujeitas através dos diversos meios de comunicação. São crianças muito inseguras, e muito sensíveis a todas as situações que evocam algum perigo, por mínimo que seja. Não é a morte em concreto que as assusta, mas o perigo, por vezes muito subjectivo, pouco pensado e elaborado. No trabalho com estas crianças, torna-se importante que, ainda que possam sentir algum receio, possam questionar os adultos sobre as situações a que assistem, e que o adulto possa dar uma resposta calma, com a simplicidade adequada, para que a criança se possa aquietar, e encontrar as suas próprias respostas.


Quando fui confrontado com a imagem do menino sírio, pensei como seria difícil explicar a uma criança o que sucedeu àquele menino. Seria difícil porque eu próprio tenho dificuldade em compreender e em aceitar o que sucedeu. Tenho dificuldade em compreender a guerra que leva tantas pessoas a fugir e ao desespero. Tenho dificuldade em aceitar que se tarde em agir, e a inércia das nações para atenuar o sofrimento daquelas pessoas. Tenho, sobretudo, dificuldade em aceitar que crianças possam sofrer, e morrer, em virtude da estupidez humana.


Felizmente, as crianças não devem partilhar as angústias dos adultos. Para a criança que pergunte o que sucedeu ao menino que ali está, naquela praia, bastará dizer que morreu, porque a guerra obrigou os pais a fugir da casa onde viviam. Tão importante quanto isto, assegurar à criança que ela própria está em segurança. 
Tudo o resto, são preocupações dos adultos.

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