"Laura" é uma jovem belga, de 24 anos, que sofre de depressão, e que é acompanhada por um psiquiatra há cerca de 3 anos. Desde a infância que diz ter pensamentos suicidas. Neste sentido, o psiquiatra que a acompanha sugeriu que Laura recorresse à eutanásia, o que terá sido aceite pela jovem.
Duas questões surgem rapidamente ao ler sobre este caso: primeiro, como é que a depressão pode estar relacionada com ideias suicidas, apesar das conjecturas mais óbvias; e segundo, se a eutanásia pode ser uma solução.
O suicídio é, mais do que um acto de desespero, um ataque de extrema agressividade contra si próprio. E só por isto já poderá ser discutível que a solução apresentada a quem "quer morrer" seja: "então eu ajudo-a a morrer". Alimentar, por muito boas intenções que se tenha, essa parte da pessoa que se quer atacar a si própria, parece-me, no mínimo, sinistro.
Mas por detrás deste desejo suicida está uma depressão, profunda, e de tratamento difícil. Antes de mais, é importante reflectir que a depressão não se trata simplesmente de "falta de auto-estima", de onde basta uma "palavra amiga", ou "pensamentos positivos", para "dar a volta". Não se "cura" simplesmente com medicação, e uma intervenção psicoterapêutica é morosa. Apesar da era apressada em que vivemos, é preciso tempo. 3 anos não é muito tempo num quadro de depressão profunda.
A depressão trata-se de uma dinâmica de pensamento cujo objectivo é lidar com a perda, ou a falta, de alguém ou de algo significativos. O que pode ser compreendido pela noção de que, durante um processo de luto, é considerada normal a presença de episódios depressivos. No entanto, num funcionamento depressivo recorrente, o sentimento de perda já não está associado à falta de alguém ou algo em concreto. A perda é sentida como uma falha pessoal, um sentimento de menos-valia. Nesta dinâmica, os pensamentos poderão, simplisticamente, ser extremados da seguinte maneira: "o que eu tenho/sou, é mau, ruim, e o que não tenho/não sou, é óptimo, excelente, maravilhoso" - com a agravante de que a depressão tende a autoperpetuar este tipo de pensamentos.
Assim, é compreensível que uma depressão profunda possa suscitar o desejo de morrer - ou seja, eliminar a "parte má".
Segundo o artigo do Observador, a proposta que foi feita a Laura poderá ter o intuito de evitar que a jovem recorresse de facto ao suicídio, possivelmente tornando o acto mais pensado, menos impulsivo, podendo essa ser uma base de trabalho psicoterapêutica. No entanto, do ponto de vista clínico, a proposta para "ajudar" a morrer comporta demasiados riscos, ao alimentar um pensamento que poderá ser delirante, ao invés de formar uma aliança com a pessoa como um todo, e que a ajude a lidar com a depressão que se encontra na base do pensamento suicida.
Na depressão não existem soluções rápidas. Mas poderemos estar a abrir um perigoso precedente, ao apresentar a morte como solução, para quem sofre de doença mental.
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