segunda-feira, 22 de janeiro de 2018



A sociedade da informação desacredita qualquer forma de confiança. A confiança permite travar relações com os outros, ainda quando não os conhecemos demasiado bem. A possibilidade de uma aquisição de informações fácil e rápida lesa gravemente a confiança. Nesse sentido, os media são responsáveis pela crise atual de confiança.
Byung-Chul Han, No Enxame: Reflexões sobre o Digital

O exercício da disciplina pressupõe um dispositivo que coaja por meio do olhar; um aparelho no qual as técnicas que permitem ver induzam efeitos de poder, e no qual em contrapartida, os meios de coerção tornem claramente visíveis aqueles sobre os quais se exercem.
Michel Foucault, Vigiar e Punir

sociedade da exposição em que vivemos, coloca constantemente o indivíduo em causa - a sua confiança, a sua liberdade, a sua consciência, a sua intimidade. O valor da privacidade (condição essencial para o indivíduo sentir) tornou-se amplamente relativo. A intimidade parece ser um termo que já não se aplica, que não faz sentido - tudo se expõe, tudo se vê de forma deliberada, ainda que não consciente. Na sociedade em que tudo se vê, é difícil definir limites, fronteiras - entre o privado e o público, entre o eu e os outros. Na sociedade da informação e dos ecrãs, desenvolveu-se uma economia da exposição, e do oportunismo de observar os outros na sua intimidade, mesmo que aparentemente consentida.

O programa Super Nanny leva a um novo limite uma das características mais marcantes da sociedade da era digital: a possibilidade de ver sem ser visto. No programa, podemos agora ver famílias, e as suas crianças, em diferentes momentos do quotidiano, no interior dos seus lares. E temos, aparentemente, justificações para esta intromissão na vida privada: o próprio programa, no seu genérico, apresenta as palavras-chave SOS Famílias, sendo assim uma espécie de nobre tábua de salvação; e, dizem-nos, procura ser útil para outras famílias que estejam a passar pelas mesmas dificuldades, numa perspectiva pedagógica.

A Super Nanny, protagonizada pela psicóloga Teresa Paula Marques, entra em casa de famílias que se encontram a braços com a exigente tarefa de educar e ajudar os seus filhos a crescer, e que procuram uma ajuda especializada. Partindo deste pressuposto, acompanhamos a Super Nanny enquanto esta presencia diversos momentos da intimidade da família - as refeições, a hora do banho, a hora de deitar - e podemos então, no conforto do lar, avaliar a perturbação que parece ocorrer na família em questão. Presenciamos o desespero de pais e filhos, as agressões verbais e corporais - os gritos, o choro, a raiva, a tristeza. Entretanto, a Super Nanny  (personagem na qual nada é deixado ao acaso) ajeita os óculos com ar professoral, e olha para a câmara com ar cúmplice, convidando-nos a ajuizar o que estamos a presenciar - no limite da caricatura, a Super Nanny encontra-se à porta, semi-aberta, da casa de banho, e confidencia para o espectador, num tom de reprovação, que a mãe está a dar banho à filha.

Tudo neste programa atenta contra a intimidade e desenvolvimento das crianças, assim como dos pais. Os alegados propósitos nobres do programa falham redondamente devido ao dispositivo que rodeia o processo de intervenção. Para a Super Nanny, a intervenção não depende de uma relação de confiança, construída num espaço e tempo seguros. Esta apresenta-se a estas famílias em dificuldades, como uma especialista que tem o poder e o direito de conhecer e presenciar a sua intimidade. A presença do olhar sem rosto das câmaras acresce ao poder da Super Nanny, a qual tem o aval tácito do espectador (nas cenas do próximo episódio, vemos um jovem visivelmente frustrado, a passar frente à câmara, e a fechar uma porta, por meio a ter um mínimo de privacidade, algo que o proteja do olhar intrusivo da câmara). Quanto à intervenção, esta tem um sentido de eficácia, de mudança protocolizada - apresentam-se técnicas e estratégias, e a criança deverá então ser coagida a mudar os seus comportamentos, como se de uma receita se tratasse, sem qualquer tipo de trabalho que incida sobre a qualidade relação pai-filho. Não existe crescimento ou ganho de consciência. O trabalho com os pais é praticamente nulo, não há tempo para a mudança interna, consciente - apenas uma posição de submissão a uma personagem imbuída de poder mediático. De notar que Teresa Paula Marques afirma que não se apresenta no programa como psicóloga. Psicóloga ou não, a exposição privilegiada serve-lhe, mesmo que para isso atropele a dignidade das pessoas que alega querer ajudar.

Entretanto, e apesar da onda de indignação e das críticas de várias entidades, a estação de televisão SIC, assim como a produtora do programa, comunicaram que não tencionam cancelar o programa. Alegam, entre outros argumentos, que nos diversos países onde o programa já foi transmitido:

"...os padrões de proteção dos direitos dos menores não se revelam menos exigentes do que os existentes em Portugal. A experiência acumulada nesses países tem demonstrado que o SuperNanny não gera efeitos negativos ou de censura em ambiente escolar e social, antes contribuindo para uma melhoria significativa da qualidade de vida familiar". 

Será de supor que estas conclusões se baseiam em estudos comparativos aprofundados entre os diversos países, e mesmo em estudos de folllow-up relativamente às intervenções realizadas no programa. Como é evidente no texto que apresentaram, a estação de televisão e a produtora do programa encontram-se em posição privilegiada e de grande poder. São entidades com grande capacidade de influência, sem rosto, sem responsabilidade. Privilégios que não são estendidos às famílias e às crianças que servem o programa e o propósito de subir as audiências.

quarta-feira, 24 de maio de 2017



  Já passaram alguns dias desde o choque causado pelo conhecimento público, de um "jogo" denominado "baleia azul", o qual encontra as suas vítimas através das "redes digitais". Esta descoberta desencadeou um frenesim de busca de informação, com diversos técnicos da área da saúde mental a emitirem o seu parecer. Em paralelo, surgiram reportagens "exclusivas" com as vítimas, alegadamente com o propósito de tornar o seu testemunho público, e às quais se colou o rótulo de "especialmente vulneráveis".
  A vulnerabilidade que tem sido alegada como a justificação para aqueles que se tornaram vítimas baseia-se, no pressuposto de que estas pessoas têm um défice de auto-estima, estabelecendo assim uma relação de causa-efeito que parece ser aceite pelo público em geral. Ao mesmo tempo, o rótulo da vulnerabilidade tem servido para diferenciar as vítimas dos demais (aparentemente, serem vítimas não é diferenciação suficiente).
  Esta explicação para o "porquê" de alguns serem vítimas parece, à primeira vista, aceitável. No entanto, cria uma percepção simplista sobre aqueles que se tornaram vítimas, assim como sobre o próprio fenómeno "baleia azul". 
  O problema individual e colectivo que a "baleia azul" coloca, não se reduz a vulnerabilidades pessoais. Pelo contrário, ainda que possamos discernir diferentes graus de vulnerabilidade, em certa medida, a larga maioria de nós encontra-se hoje vulnerável, exposto. A exposição é, de resto, a palavra-chave desta questão. Todos nós, praticamente sem excepção, encontramos-nos expostos, em todos os lugares e a todos os momentos, tal é a difusão dos meios digitais. O problema prende-se assim, com as fronteiras da privacidade e da intimidade, as quais se encontram muito esbatidas.
  Não é difícil chegar à conclusão que a privacidade é hoje um bem desvalorizado. Reservar-se, abster-se, resguardar-se, são atitudes olhadas com desconfiança. Já a exposição, senão mesmo o exibicionismo, o "ter algo a mostrar", ter algo a dizer, independentemente do conteúdo, são atitudes altamente valorizadas. O instinto voyeurista de cada um de nós já não precisa de passar pelo duvidoso acto de "espreitar pelo buraco da fechadura". Basta, de forma muito higiénica, ligar a televisão num qualquer reality-show, ou simplesmente deslizar pelo Facebook.
  O problema de ordem psicológica que esta situação nos coloca, prende-se, intimamente, com a construção da identidade. Para uma larga maioria, a presença nas redes sociais faz hoje parte da identidade pessoal. Praticamente tudo se partilha "no momento", desde as viagens "a dois", às birras do filho mais novo, passando por aquilo que se come, e não menos importante, partilhando aquilo que se está a sentir, (independentemente do sentimento). A presença digital chega mesmo a preceder o acontecimento real e concreto - se não está na net, não aconteceu.
  No caso dos jovens, a exposição nas redes digitais enreda-se, talvez de forma mais evidente, com o seu desenvolvimento pessoal e identitário - ser depende de ser observado, em todos os lugares, e a todos os momentos. Mas algo se perde. Quando as fronteiras da intimidade se esbatem, a auto-estima enfraquece, pois perde profundidade. Em certa medida, depende em demasia da exposição, de ser visto, do número de "gostos", do número de "cliques" - é um processo aditivo.
  
  Um passo importante no desenvolvimento psicológico, prende-se com a percepção, no bebé, de que a mãe é um ser separado. Ou seja, que esta não está sempre presente para satisfazer os seus desejos e necessidades. Um outro passo importante, para a construção da auto-estima, é a percepção de que, apesar de ausente, essa mesma mãe irá voltar (em tempo útil) para oferecer tudo aquilo que uma mãe pode oferecer ao seu bebé. É nesta dinâmica de aproximação e afastamento, de se sentir gostado e momentaneamente sozinho, que se funda uma parte importante da identidade e da auto-estima. 
  
  O fenómeno "baleia azul" não poderia ter sucedido noutra época, pois alimenta-se de vulnerabilidades básicas do ser humano, que se está a adaptar à existência digital. Mas não se alimenta apenas de alguns de nós. Todos estamos sujeitos, em certa medida, à "baleia digital".

segunda-feira, 10 de abril de 2017



Recentemente, escrevi aqui um texto sobre a adolescência, no qual referia que esta é uma fase da vida na qual serão expectáveis alguns comportamentos de risco. Tendo em conta que os discursos, deste momento em particular, sobre os "jovens portugueses" estão carregados de agressividade (em regra disfarçada de moralidade), gostaria antes de mais clarificar, que ser expectável que surjam comportamentos de risco, não significa que estes sejam aceitáveis. 

Bem entendido, não são aceitáveis as transgressões de determinados limites que, com um pouco de bom senso (e sem necessidade de recorrermos a argumentos jurídicos), a maioria de nós compreende serem necessários para a convivência social. Fora destes limites encontram-se, naturalmente, a destruição da propriedade alheia, e toda e qualquer acção que coloque em risco a integridade física de outros. Não é aceitável atirar colchões pela janela, assim como não é aceitável destruir a parede do quarto do hotel no qual se está a pernoitar. Que estes limites elementares para a convivência social, sejam transmitidos e aplicados, de forma clara e atempada, a estes e a quaisquer jovens, parece-me fazer parte da responsabilidade de qualquer adulto. 

Assim, visto vivermos em sociedade, é apenas expectável que, em relação aos incidentes em Espanha que envolveram os 1000 jovens portugueses, sejam apuradas as devidas responsabilidades (dificilmente terão sido todos a realizar os referidos actos), e que se apliquem as merecidas consequências. 

No entanto, nos últimos dias têm-se multiplicado os discursos, mais ou menos inflamados, a propósito "desta geração", dos "jovens de hoje", culminando muitas vezes com o lugar-comum: "no meu tempo não era assim". Este discurso caricatural revela muito pouco conhecimento sobre o que é ser adolescente, e revela ainda menos capacidades para desempenhar um papel educativo e justo, junto destes jovens.

No trabalho com adolescentes, quando é possível desenvolver uma relação honesta e de respeito mútuo - ou seja, com limites e regras relacionais que devem ser uma imposição do adulto - observa-se muitas vezes um elevado sentido de justiça, algo que passam a esperar do adulto, sobretudo quando é o próprio adolescente a realizar um ato de transgressão. Este é, de resto, um dos fundamentos para desenvolver a tão propalada capacidade de resiliência.

Enquanto psicólogo, creio ser importante questionarmos como podemos hoje desenvolver esta relação honesta e de respeito mútuo com os adolescentes, um vínculo dentro do qual possamos transmitir e aplicar os limites que necessitam para a aventura social. Na era das redes sociais em permanência, das carreiras profissionais e sociais instáveis, dos ambientes em constante mutação, e em que os interesses profissionais e empresariais são colocados acima dos interesses da família, os vínculos tornaram-se superficiais, e a família enquanto estrutura transmissora de cultura e de valores perdeu a sua força. Quem é que está disponível para assumir esse vínculo com um adolescente?

Falhamos enquanto sociedade, quando normalizamos em absoluto a transgressão, pois passamos uma mensagem confusa sobre o propósito desta nossa vida em comunidade. Mas creio que falhamos redondamente enquanto adultos, quando não abordamos com a devida justiça e compreensão, os jovens que apenas esperam do adulto, um exemplo daquilo que eles poderão um dia vir a ser.

segunda-feira, 6 de março de 2017


 A adolescência anuncia a sua chegada, na maioria das vezes, demasiado cedo. Demasiado cedo porque a chegada da adolescência é (em regra) um choque. Um choque para os pais que, por alguns momentos, não conseguem redescobrir a criança que antes lhes saltava para o colo, ou que a eles se abraçava, sem pingo de vergonha. E um choque para o adolescente que, sem compreender muito bem, sente-se muitas vezes um estranho entre estranhos, ele que já não se sente a criança que foi, e que anseia tanto quanto teme, o adulto que virá a ser.
Quando se usa o termo "comportamento de risco", talvez a adolescência possa ser o seu sinónimo. "Adolescer" é um risco, que de alguma forma terá que ser assumido pelo próprio adolescente. O risco de crescer, e ser menos igual aos pais, e mais igual aos amigos… mesmo quando os pais não gostam assim tanto de alguns amigos. O risco de reconhecer que o corpo está "diferente", e que se olha para o corpo dos outros também de forma diferente de quando era criança. O risco de por vezes já não saber bem o que dizer, porque já se perdeu a espontaneidade própria das crianças, e o silêncio e o olhar dos adultos pode ser tão mais reprovador do que já foi.
Para os pais, a adolescência pode ser sentida como uma perda. Perdeu-se a criança, e a relação que antes era tão próxima, agora parece terrivelmente distante. Agora, aquele que antes era criança, tem gostos incompreensíveis, ri-se de coisas que "só os da idade dele" se riem, e parece já não ouvir os conselhos dos pais com tanta atenção.
Tudo isto não acontece de um momento para o outro. Vai acontecendo. Assim como não se cresce de um momento para o outro. Vai-se crescendo.
Uma parte importante do que "vai acontecendo" é a sensação, tanto para os pais como para o adolescente, de um certo afastamento entre eles, de uma separação. Separação é, efectivamente, o termo mais apropriado, pois a adolescência marca, de forma mais evidente do que até então, o início da individualidade. O adolescente, a caminho da vida adulta, é, cada vez mais, uma entidade à parte, dentro do seu núcleo familiar. E sente-se como tal.
A separação, que pode até por momentos parecer algo trágica, é na verdade essencial. Essencial para descobrir o que se quer "ser", e o que se quer "ter". É essencial para arriscar, sobretudo quando tudo se quer ganhar (porque só assim vale a pena crescer), e perceber que algumas coisas terão que se perder. 
Apesar de toda a separação, talvez seja neste período que as opiniões dos pais têm mais importância para o adolescente. Mesmo que este pareça evitar as conversas mais sérias, ou mostrar-se completamente indiferente às ideias dos adultos. Mesmo que por vezes seja tão evidente que existe uma forma melhor de se fazer as coisas, e que mesmo assim ele parece insistir em "errar".
Ainda que a separação seja necessária, a presença, em pano de fundo, de pais compreensivos perante as dúvidas do adolescente, pode ser fundamental. Para a construção de um adulto mais forte, mais capaz, e que guardará dentro de si, a segurança e a confiança que os pais nele depositaram.

segunda-feira, 28 de novembro de 2016


Em França, a École Maternelle designa o que em Portugal chamamos de Jardim de Infância. O termo francês é particularmente rico, pois remete directamente para a função que esta “escola maternal” deverá desempenhar no desenvolvimento da criança. Como o nome indica, não serve esta “escola maternal” tão simplesmente para formar inteligências e transmitir conhecimentos. Destinada à faixa etária dos 3 aos 6 anos, a escola maternal pretende antes de mais proporcionar um contexto de segurança, no qual a criança poderá dedicar-se a “uma outra forma de vida”, após ter adquirido as suas aquisições básicas. Irá aprender a viver em sociedade, com os seus pares, e com outras figuras que desempenham papeis parentais e de autoridade. Aprenderá a dar “os bons dias”, o contar o que sucedeu consigo, e com a sua família, pois é ela o representante da sua família no meio escolar, um papel da maior importância. Considerar, com alguma sobranceria, que a criança poderá não compreender, ou não estar interessada, no meio escolar, é desrespeitá-la e inferiorizá-la, não a reconhecendo como um adulto em devir.

No entanto, chegando ao ensino primário, não é invulgar encontrarmos crianças que se encontram algo “atrapalhadas” nas suas aprendizagens. São consideradas “preguiçosas”, apesar de inteligentes, e porventura “só querem brincar”, pelo que “a escola não lhes interessa”. O discurso de pais e professores muitas vezes transmite a ideia de que estas crianças são “um bocadinho especiais”, e que, talvez, a escola não seja o lugar para elas.

Apesar de a escola primária já não se revestir das características do jardim de infância, é preocupante que possa não estar a conseguir desempenhar a sua função junto destas crianças. A escola que não ajuda a criança a descobrir a emoção de aprender, não está a desempenhar a sua função. A escola que não ajuda a criança a sentir-se segura nos seus actos, não está a desempenhar a sua função. A escola que não ajuda a criança a sentir que faz legitimamente parte da sociedade dos seus pais, não está a desempenhar a sua função.

Não basta querer mudar as crianças. Uma escola que não serve para todos não cumpre o seu desígnio. A escola também tem que mudar.

sábado, 29 de outubro de 2016



Quando a criança descobre que, tal como os adultos que a rodeiam, consegue, com esforço, deslocar-se sobre as duas pernas, um mundo de possibilidades abre-se à sua frente. Afinal, apesar de tão pequena, já consegue dirigir-se pelos seus próprios meios, ao encontro de tantos objetos em seu redor que exigem uma investigação mais cuidada da sua parte.

O tempo e o espaço ganham novas características, que exigem adaptações, nem sempre fáceis. Afinal, os desejos curiosos da criança já não estão absolutamente condicionados pelos interesses, e pelos braços, da mãe e do pai.

No entanto, apesar da excitação que este recém-adquirido poder pode provocar na criança, os receios que suscita, no seu íntimo, podem ser difíceis de suportar. Pelo menos sem um olhar terno, mas atento, que lhe dê segurança.

O mundo físico exige a exploração da criança. Esta quer aproximar-se, tocar, conhecer, testar. É impossível resistir. Mas a criança continua refém da sua pequenez. Afinal sente, e sabe, que este mundo é ainda, demasiado grande para que se possa aventurar sem olhar para trás. E ainda bem.

Ao olhar para trás reencontra o olhar dos pais, que olham por, e para, a criança. Ao abrigo do olhar dos pais, a criança confirma, no seu íntimo, que o espaço que os distancia é seguro, e sente-se mais forte e capaz. Confirma ainda que tem a permissão destes para se aventurar… pelo menos até onde já chegou. Um “não” poderá bastar para que não arrisque mais aventura-se. Afinal, quem é que se quer perder de quem oferece tanto amor e segurança? A aventura pode ser tão importante quanto o regresso a um lugar seguro.

terça-feira, 5 de julho de 2016



As crianças têm muitas vezes, medo de crescer. O crescimento, tal como as crianças o imaginam, pressupõe a perda de alguns “benefícios” que estas consideravam serem eternos, como o direito ao colo e ao mimo em doses massivas, o direito a brincar horas a fio e o direito a errar. Assim, as crianças apercebem-se desde tenra idade, que crescer acarreta maiores níveis de responsabilidade e são confrontadas diariamente com o peso do crescimento até nos próprios pais. Não raras vezes, este peso é-lhes transmitido, de forma consciente ou não, através da partilha de preocupações de cariz pessoal, profissional e/ou monetário, sem que estes tenham capacidade para as resolver, ou até grande parte das vezes, compreender.
Numa outra perspectiva, constatamos que o crescimento arrasta consigo a perda da inocência e espontaneidade, que tantas vezes atribuímos à infância. Talvez por isso, também para alguns pais seja difícil deixar que os filhos cresçam naturalmente. Assistimos hoje em dia a uma elevada percentagem de crianças que têm níveis de autonomia extremamente baixos e que dependem dos adultos e da sua aprovação, mais do que aquilo que seria desejável para a idade. Ao permitirmos e incentivarmos esta dependência e insegurança, estamos a dizer indirectamente a estas crianças que sim, que devem ter medo de crescer, e que crescer é algo tão assustador, que o ideal seria se todos pudéssemos ser sempre pequeninos.
As crianças precisam então de alguém que lhes assegure o amparo de que necessitam durante o crescimento. Precisam que os pais as ajudem a desenvolver a autonomia com uma mão, enquanto as mimam e reconfortam com a outra. É importante que as nossas crianças percebam que o crescimento faz parte da vida e que tal como tantas outras coisas, implica por um lado perdas, e por outro ganhos.
Assim, as crianças que ultrapassam o medo de crescer, vivem a infância com mais segurança e tornam-se em regra, adultos mais confiantes e capazes para lidar com as adversidades da vida.